domingo, 29 de maio de 2011

GÊNESIS - A CRIAÇÃO - O Mal

5. O MAL
Há um fato contraditório que aparece inesperadamente na História da Criação e retrata uma presença contumaz em toda a História Humana, bem como na vida particular ou social de cada um: é a presença do mal. Da mesma forma que a consciência da morte revela a vida, a consciência do mal revela o bem. Busca o homem ansiosamente conhecer e compreender a causa, a natureza e a finalidade do mal. Infrutiferamente, porém. Busca e quer erradicá-lo, ao encontro de um bem total. Para isso precisa conhecer o bem e o mal, estabelecendo as suas causas, suas naturezas e seus fins. O mal é a expressão do sofrimento, da dor e da morte, em contraste com o bem significado na felicidade, na paz e na vida. O mal é a ineficácia do bem, o desordenamento da Criação e sua conseqüente esterilidade. É a volta ao estado anterior à ação criadora de Deus, é o deserto, o caos:
"... - ele é Deus, o que formou a terra e a fez, ele a estabeleceu; não a criou como um deserto, antes formou-a para ser habitada" (Is 45,18).



Para o hagiógrafo, da mesma forma que com a origem, o problema é simples e teve como fonte a atitude do Homem em face ao seu relacionamento com Deus. Relacionamento elevado à intimidade, familiaridade e comunhão que em determinado momento sujeitou o Homem à dependência de um preceito. Melhor seria dizer o "aviso" de que determinada forma de comportamento teria como conseqüência o advento da "morte". Foi no instante em que Deus dotou o Homem do "livre-arbítrio" e o instituiu. Mostrou-lhe uma situação e deixou-a a sua livre opção, mostrando-lhe o que lhe adviria caso não a observasse. Deus criou um ser livre, não um robô. Por inexistir um tom imperativo positivo vê-se que não se trata de uma ordem, e o "podes" bem como o uso de uma negativa amenizam e facilitam por demais a opção, como se fosse dito que "a morte vai vigorar se você a facultar":
"Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer" (Gn 2,16-17).


Analisando melhor o trecho vê-se que não se trata de uma "árvore do bem e do mal", mas de uma "árvore do CONHECIMENTO do bem e do mal". O "podes" denota a plena liberdade de escolha do Homem; também, a "árvore" caracteriza uma "fonte", a origem onde se forma o fruto, qual seja, a "conseqüência" anunciada: A MORTE. Depositava-se só e exclusivamente nas mãos do Homem a possibilidade da existência da morte, com todas as suas conseqüências. E, o que é a morte e o que ela representa? Para nós, que já vivemos no seu império, a experiência nos dita que é o fim de uma existência física. Mas, qual seria o significado dela para aquele primeiro Homem, considerando-se o aspecto geral antes e depois da sua presença na Criação? Para aquele primeiro Homem que a desconhecia, como lhe teria soado, ou como lhe fora explicada, já que sem conhecimento prévio inexiste a responsabilidade pessoal? Como lhe seria a Criação sem ela? Voltando-se abstratamente àquele tempo vejamos como se dariam os fatos sem a morte. Ora, inexistindo a morte ninguém morreria. Ninguém perderia a vida por doença, por causas fortuitas, de fome ou por qualquer outra causa. Não haveria a necessidade da luta pela sobrevivência, a disputa, as contendas, o ciúme, a inveja e outros males não apareceriam, bem como a infelicidade humana de tudo isso decorrente, e o sofrimento.
    Percebe-se num relance que a morte é a convergência de todos os males, e ao homem foi dada a oportunidade de acolhê-la ou rechaçá-la. Só se pode dizer que violou o aviso e a trouxe, introduziu-a na Criação que a desconhecia. Somente onde há a possibilidade de escolha consciente aparece a liberdade e somente onde há a liberdade pode haver um relacionamento de duas ou mais pessoas, em íntima comunhão de vidas e de tarefas. O Homem é "imagem e semelhança de Deus", não um teleguiado seu, donde ser necessariamente responsável e consciente de seus atos. E, para a eficácia dessa responsabilidade e consciência, deveria ter tido o mais amplo e pleno conhecimento de tudo, e de todas as conseqüências de sua livre escolha. A simbologia de toda a narração nada mais revela que tudo isso, bem como essa opção livre a qual somente se percebe num vislumbre, quase intuitivo, o que evidencia a inteligência sagaz do narrador, procurando traduzir para seus semelhantes fatos que não foram presenciados por ninguém. A começar pelo nome dela: a "árvore do conhecimento do bem e do mal", que traduz numa conotação especial o esforço e a habilidade com que impede qualquer vinculação de Deus com a existência do mal. Coloca-a como a fonte ("árvore") de uma experiência sensível, que passará a ser de seu "conhecimento", a "morte". Principalmente porque ali no Paraíso o Homem só "conhecia" o BEM, e ao fazer ingressar no mundo a "morte", "conheceria" a diferença entre aquele bem de que gozava e o mal que adviria da morte, agora já possível. É a figura do "conhecer" bíblico, fruto de uma percepção sensível em si mesmo. Assim exprime que Deus não é o autor do mal, mas apenas e tão somente do bem.
    Deus dispusera ali também no Éden a "árvore da vida", de que foi o Homem afastado ao optar pela "do conhecimento do bem e do mal", que lhe seria um dom perene (Gn 3,22). O Homem, por algum motivo que foge ao nosso alcance, preferiu o caminho da dor, do sofrimento e da morte ao da Vida Eterna, assim de imediato e num relance. "Conhecemos" o resultado dessa infeliz opção, cuja triste iniciativa é atribuída à mulher, EVA. A causa vem colorida com a expressão tentadora de que "sereis como deuses" (Gn 3,5):
"A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: ‘Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do Jardim’? A mulher respondeu à serpente: ‘Nós podemos comer do fruto das árvores do Jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do Jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, a fim de não morrer’. A serpente disse então à mulher: ‘Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal" (Gn 3,1-5).


Alguns detalhes dessa narrativa merecem uma análise mais elucidativa, por causa da farta simbologia empregada. Em primeiro lugar, em virtude da responsabilidade do Homem pela "guarda" do jardim, a serpente, por ser "o mais astuto dos animais do campo", não poderia estar ali. Não se pode culpar apenas a serpente pela queda, eis que a sua responsabilidade se prende ao fato de dar asas à inclinação humana já alojada no íntimo de Eva. Vê-se isso da facilidade de íntimo colóquio entre ela e a mulher, bem como da resposta que esta lhe dá em seguida, já bem reforçada com a expressão que grifamos "nele não tocareis", que não constou do aviso ou conselho de Deus. Deus não lhes dissera que "não a tocassem"! Eva demonstra então seu anseio mais íntimo, qual seja, a inclinação já atuante no seu "coração" de provar o fruto, a que resistira até aquele momento. A astúcia da serpente está em ter percebido a tentação a que ela estava se sujeitando e estimulado a prática do ato vedado com uma alternativa falsa, uma mentira, de que adviria a grande recompensa de "sereis como deuses"! Tanto é assim que imediatamente os efeitos da indução aparecem em Eva:
"A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que era, esta árvore, desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o a seu marido também, e ele comeu" (Gn 3,6).


A conseqüência do ato não tardou, infiltrando-se a morte como um dos elementos integrantes do mundo criado, por ato de livre opção e responsabilidade do Homem. Todos os demais imperativos impostos (Gn 1,28; 3,16.18-19) até mesmo à própria natureza (Gn 3,17-18), não traziam em si mesmos conseqüências advindas de sua violação ou descumprimento como aqui. Interessante que nenhum deles depende da vontade humana para se formarem, ou se cumprirem, ou se manifestarem, ou se concretizarem; e, apesar da rebeldia ocorrida permaneceram ainda integrados à natureza do Homem, cumprindo a sua função. O Homem rompeu com Deus; mas, Deus se manteve o mesmo, não rompendo seus desígnios para o Homem, e, apesar de todas as funções humanas sofrerem a deformação advinda da perda do centro gravitacional, pelo mau uso da liberdade que lhes dera, nem por isso a retira. O Homem continua sendo objeto de cuidados de Deus:
"Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu" (Gn 3,21).


Deus nada modifica! Toda a estrutura fundamental da Criação permaneceu em si intocável, se bem que as maldições subseqüentes à serpente e à terra acarretam sério descontrole e desequilíbrio advindos do rompimento pelo Homem. Quando o narrador declina as maldições nada mais faz que significar uma imensa limitação ao controle absoluto do Homem (Gn 3,14-19). A esse ato de rompimento do Homem com os desígnios de Deus é que se denomina PECADO ORIGINAL, por ter sido a "árvore", a "fonte", a "origem" de todos os males e de todos os outros pecados, ou causa principal. Percebe-se facilmente que todo o desequilíbrio da natureza e até mesmo as diferenças climáticas têm a sua "origem" e a sua causa naquele "pecado". Também por ele toda a natureza humana, trazendo sérias conseqüências como a guerra, o terrorismo, o assalto, as rixas, as bebedeiras, o sexualismo desordenado, as doenças etc.. Por causa da maldição da terra, até mesmo as diferenças climáticas, chovendo copiosamente em algumas regiões e não chovendo de forma alguma em outras, todo e qualquer desequilíbrio é fruto do primeiro ato livremente praticado pelo Homem, o ato de rompimento com Deus, dando assim livre curso à morte. Para que ela atuasse era necessário que isso acontecesse, e aconteceu.

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